quinta-feira, 8 de julho de 2010

O RPG em sala de aula

Bom pessoal visitando o blog do Dragão Banguela me deparei com o Post do leitor que é de autoria de Alessandro Jean Loro, um professor que descreve a experiência que teve com o RPG em oficinas na sala de aula. O texto é um pouco grande, mas como temos professores e futuros professores em nosso grupo creio que todos devam ler.

Espero que gostem, e não deixem de comentar.

Abraço Caroti


A narrativa é um cavalo, um meio de transporte cujo tipo de andadura, trote ou galope, depende do percurso a ser executado, embora a velocidade de que se fala aqui seja uma velocidade mental. (CALVINO, 1990, p.53)

Os jogos de interpretação podem ser utilizados para aproximar o objeto de estudo e o aluno. Em História, por exemplo, organizar uma aventura em determinado período histórico seria como levar uma máquina do tempo para a sala de aula. O aluno não apenas aprenderá a matéria; ele “viverá” as situações que estuda. O objeto de estudo deixa de ser algo abstrato e distante para tornar-se algo palpável e próximo. O mesmo exemplo poderia ser utilizado em aulas de Literatura.

Imaginemos uma aventura baseada em “Os Lusíadas”. Os professores de Literatura e História, em uma atividade interdisciplinar, poderiam elaborar uma “aventura” sobre a epopeia camoniana. Assim, os alunos poderiam ser membros da frota de Vasco de Gama e efetivamente “viver” a aventura de singrar os mares “nunca dantes navegados”.

Quanto à Língua Portuguesa, uma análise de um livro de regras (o já mencionado “módulo básico”) faria qualquer professor rever sua metodologia de ensino quanto à estrutura narrativa e personagens. A didática empregada por tais livros é simplesmente fantástica, trazendo ao leitor as informações “teóricas” em pequenas doses, para que esse possa, ao final da leitura, ser capaz de criar seus próprios personagens e narrativas. Há uma interação entre texto e leitor, visando a total absorção dos elementos narrativos para que o Jogador possa, sozinho, contribuir para a história narrada pelo grupo.

Elementos matemáticos existem em todos os RPGs. Desde os números que compõem a ficha de personagem, passando pelos cálculos percentuais, o uso das tabelas, cálculos de estatística e probabilidade. Até mesmo os dados multifacetados utilizados poderiam ser tema de uma aula sobre polígonos. No mesmo exemplo da aula de História e Literatura, o professor de matemática poderia instigar os alunos a criarem os dados para o uso nas aventuras propostas pelos outros professores. “Vocês precisam de um dado com oito lados, certo? Como poderíamos construí-lo? Qual o nome dessa forma?”. Os cálculos ganham sentido, a matemática é aplicada em algo palpável e agradável para o aluno.

Como já citado, um dos suplementos mais procurados pelos RPGistas são os livros que descrevem um cenário. A leitura de um desses livros implica em conhecimentos geográficos complexos; para utilizar os mapas, por exemplo, é necessário saber lidar com escalas, pontos cardeais, representações e legendas, enfim, todos os elementos de cartografia trabalhados na escola. Em segunda instância, a geopolítica é outro assunto muito abordado: as constantes disputas entre os reinos descritos nesses livros geralmente advém da busca por recursos. Resumindo, ler um livro descrevendo um cenário é uma verdadeira aula de Geografia.

As narrativas criadas pelos grupos de RPG geralmente ocorrem em ambientes fantásticos, lugares em que há toda uma miríade de criaturas que não existem em nosso mundo. Para descrever essas criaturas existem os chamados “bestiários”, ou seja, uma compilação com esses seres fictícios. No entanto, esses livros parecem-se muito mais com um compêndio de biodiversidade do que com um livro de mitologias. Temas como ecossistema, cadeia alimentar, vida em sociedade e ciclo vital são retratados como em um livro de Biologia.

Em resumo, é possível utilizar a mecânica dos jogos de interpretação em praticamente qualquer disciplina escolar. A pedagogia da imaginação, proposta por Ítalo Calvino em seu livro Seis Propostas Para o Próximo Milênio – Lições Americanas, prega que devemos ensinar através de imagens, ou seja, aproximar o educando daquilo que lhe está sendo ensinado. Não é nenhuma novidade a busca por novos métodos que permitam uma aprendizagem mais prazerosa e dinâmica, mas é preciso que os professores saiam da letargia pregada por uma pedagogia ultrapassada e percebam que esse é o único caminho se realmente quisermos mudar a educação em nosso país e no mundo. Basta deixar de lado o medo pela mudança, o medo do novo, e tentar desbravar esse novo mundo de oportunidades, transformando o processo de ensino-aprendizagem em algo prazeroso não só para o aluno, mas também para o próprio professor.

Pensando nisso e levando em conta o presente trabalho, apresento agora uma proposta para o uso de RPG como incentivador da leitura nas escolas públicas.

O primeiro ponto a ser frisado é a não obrigação. Isso significa que nenhum aluno deva ser obrigado a conhecer e a jogar RPG. Isso só afastaria ainda mais os jovens dos livros como também do jogo. É preciso mostrar que ele não é somente mais uma ferramenta pedagógica. Ele precisa ser divertido, precisa ser algo que verdadeiramente convide o aluno a participar. Para tanto, proponho que, ao menos em um primeiro momento, o RPG seja utilizado como uma atividade extraclasse, uma oficina em turno inverso, por exemplo.



Experiência com oficinas


Aqui apresento os resultados obtidos por mim em duas oficinas realizadas no final do ano de 2009. Em ambas o RPG não foi utilizado como ferramenta pedagógica, apenas como entretenimento. O intuito não era “transpor” algum conteúdo escolar, apenas apresentar o hobby aos jovens e uma educadora que parecia interessada no uso do jogo em sala de aula.

A primeira oficina foi oferecida a cinco alunos da sétima série do Ensino Fundamental e a uma professora de História. ReuníamoRPG, apresentei as regras de um sistema simples e rápido, auxiliei-os na criação dos personagens e conduzi três pequenas aventuras introdutórias, ambientadas em um cenário de fantasia semelhante ao visto em livros como O Senhor dos Anéis e Crônicas de Nárnia.

Após pouco mais de um mês, concluímos as oficinas. Os alunos montaram um grupo de jogo e iniciaram suas próprias campanhas, reunindo-se aos domingos. A professora, embora empolgada com a ideia, acabou não seguindo em frente, alegando não dominar a sistemática do jogo tão bem para conduzi-lo em sala de aula.

Apenas por curiosidade, pedi para que os demais professores observassem o comportamento dos cinco alunos nesse primeiro semestre de 2010. Pedi que descrevessem para mim se houve melhorias, tanto nas notas obtidas quanto na participação e na disciplina em sala de aula. Os resultados foram no mínimo interessantes: os alunos que fizeram a oficina ampliaram seu rendimento em matérias que envolviam a leitura e a escrita, como Português, História e Geografia. Buscando dados na biblioteca, descobri que três dos cinco alunos passaram a retirar livros semanalmente, um costume que antes não possuíam, ficando limitados aos livros exigidos pelos professores. Além disso, a professora de Português salientou o desenvolvimento no campo narrativo do aluno que havia se tornado o Mestre do grupo. Segundo ela, as narrativas escritas por ele durante as aulas estavam muito bem estruturadas.

A segunda oficina ocorreu logo após a primeira, mas envolveu cinco alunos do primeiro ano do Ensino Médio. Embora tenha sido aberta aos professores, nenhum demonstrou interesse. Os encontros também foram semanais, realizados entre os turnos da tarde e da noite.

A metodologia empregada durante a oficina foi a mesma utilizada com os alunos do Ensino Fundamental, no entanto, os resultados obtidos não foram tão satisfatórios. Após o término dos encontros, os alunos, embora tenham gostado da experiência a ponto de realizar uma petição à direção para que a oficina ocorresse novamente, não deram continuidade ao hobby, parando de jogar RPG. Mesmo assim, nos dois meses em que a oficina ocorreu, os professores notaram a mesma melhoria em rendimento vista nos alunos do Ensino Fundamental.

Evidentemente, ambas as experiências com oficinas não foram cientificamente propostas e analisadas. Não há como afirmar que foi o RPG que trouxe o melhor rendimento aos alunos. No entanto, a relação entre o jogo e o desempenho escolar me parece bastante óbvia. Cabe, portanto, realizar um estudo meticuloso, avaliando os alunos antes, durante e depois das oficinas, para que se verifique a real influência dos jogos de interpretação com o desempenho escolar.

Como jogador e professor, tenho perfeita convicção de que o uso dos jogos de interpretação como ferramenta para práticas de leitura e escrita rende sempre bons resultados. Do mesmo modo, utilizá-los como instrumento pedagógico para a transposição didática de conteúdos pode ser um dos caminhos a ser seguido para mudarmos a educação e torná-la ao mesmo tempo prazerosa e enriquecedora.

Então vermes, este foi o Post do Leitor do Sir Halessan, abaixo a ficha de estatísticas do cavaleiro:

* Nome real: Alessandro Jean Loro
* Apelido: Sir Halessan
* Idade: 25 anos
* Sistema que mais gosta de jogar: Pathfinder, Old Dragon, D&D e Sistema Daemon.
* Há quanto tempo joga RPG: desde 1995 (um dinossauro)

2 comentários:

  1. Obrigado por divulgar o trabalho! Um abraço.
    Prof. Alessandro Jean Loro

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  2. Professor, seja bem vindo a nosso blog! O trabalho realizado foi realmente muito interessante, e sua análise aos resultados mais ainda. Volte sempre a comentar no nosso blog.

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